DIFERENTES VISÕES DO MUNDO
Nosso planeta é um só, mas pode ser representado de
formas diferentes ou visto de perspectivas diversas. Como os mapas são feitos
por profissionais que vivem num país e têm diferentes valores culturais, costumam
expressar um ponto de vista particular, além de interesses geopolíticos e
econômicos; em contrapartida, também podem expressar um questionamento desses
interesses.
Um dos primeiros mapas-múndi foi elaborado em 1508 por
um cartógrafo de Florença chamado Francesco Rosseli. Esse mapa não tinha precisão
nenhuma nem mostrava a Oceania, continente que ainda não era conhecido dos
europeus. Como ele foi feito no início das Grandes Navegações, o conhecimento
do planeta ainda era muito limitado e nenhum povo o conhecia por inteiro. Um
pouco mais tarde, em 1569, foi elaborado um dos mapas-múndi mais importantes da
História, o mapa de Mercator, cujas características vimos há pouco.
Esses primeiros mapas-múndi,
especialmente o de Mercator, colocavam a Europa em destaque: esse continente
aparecia no centro do mapa e na parte de cima. Os europeus – portugueses,
espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, etc. – estavam explorando o mundo e
fundando colônias, portanto, era natural que ao representar o planeta se vissem
no centro e no topo. O eurocentrismo era a materialização cartográfica do
etnocentrismo europeu. Mas não devemos nos esquecer de que a Terra é um planeta
esférico, em movimento (rotação e translação) no espaço sideral, portanto, nele
não existe nem “acima” nem “abaixo”.
O costume de colocar o norte
no topo do mapa, com a Europa no centro, começou a partir das Grandes Navegações,
como vimos. Até então os cartógrafos italianos, influenciados pelos árabes,
costumavam colocar o sul na parte de cima, como mostra o mapa a seguir, feito
em 1459 pelo monge veneziano Fra Mauro. Os cartógrafos árabes costumavam
representar o mundo com o sul no topo e com o centro em Meca, a principal
cidade sagrada da religião islâmica. Até o leste já chegou a figurar no topo, como
era comum nos mapas elaborados durante a Idade Média.
Assim, o fato de o norte
aparecer no topo, com a Europa no centro, é apenas mais uma convenção.
Entretanto, essa visão eurocêntrica do mundo acabou se consolidando em 1884,
ano em que se realizou a Conferência Internacional do Meridiano. Nesse encontro
foi acordado que o meridiano principal, o zero da longitude, seria o meridiano de
Greenwich, portanto o “centro” do mundo.
Nada impede que o mundo seja
visto de outras perspectivas e, em cada país, os atlas sejam produzidos valorizando
sua localização no globo. Por exemplo, nos Estados Unidos, gerações de
estudantes cresceram vendo seu país no centro do mapa-múndi com projeção de
Mercator. Como antes aconteceu com os europeus, além de estar no centro do
mundo o território norte-americano ainda aparecia ampliado. Era uma metáfora da
superioridade geopolítica do país no período pós-Segunda Guerra. Os japoneses,
que se recuperam da derrota nessa guerra, também costumam representar o planeta
com seu país situado no centro, como mostra o mapa-múndi da página seguinte,
publicado em um atlas escolar.
Este Mapa-Múndi consta de um Atlas Geográfico Escolar japonês de 1993.
Na Austrália, também é comum o
país ser representado no centro e no topo do mapa-múndi, só que neste caso o
sul aparece acima. O primeiro mapa-múndi centrado na Austrália foi criado por
Stuart McArthur, então um jovem estudante da Universidade de Melbourne, e
publicado em 1979 (observe-o abaixo).
O Brasil no centro do mundo
apareceu em 1981 no livro Conjuntura política nacional: o Poder Executivo &
geopolítica do Brasil, do general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), um dos expoentes
do pensamento geopolítico do período militar (1964-1985). Há outro mapa com o Brasil
no centro do mundo num livro do geógrafo Cêurio de Oliveira, publicado em 1993
(observe-o abaixo). Mais recentemente, mapas-múndi com o Brasil no centro podem
ser encontrados no Atlas geográfico escolar do IBGE. Entretanto, uma visão
brasileira do mundo nunca foi muito difundida e acabamos nos habituando a ver o
planeta da perspectiva eurocêntrica.
Com isso, podemos concluir que
não há uma forma certa ou errada de representar o mundo, mas cada uma delas expressa
um ponto de vista de um Estado nacional ou de um povo. A Cartografia expressa, em
cada um de seus produtos, um ponto de vista sobre o mundo, uma versão da
realidade.
Sene, Eustáquio de Geografia Geral e do Brasil :
Espaço Geográfico e Globalização / Eustáquio de Sene, João Carlos Moreira.
– 2. ed. reform. – São Paulo: Scipione, 2013.