O PERÍODO MILITAR
Em 1o de abril de 1964, após
um golpe de Estado que tirou João Goulart do poder, teve início no país o
regime militar, com uma estrutura de governo ditatorial. O Brasil possuía o 43o
PIB do mundo capitalista e uma dívida externa de 3,7 bilhões de dólares. Em
1985, ao término do regime, o Brasil apresentava o 9o PIB do mundo capitalista
e sua dívida externa era de aproximadamente 95 bilhões de dólares, ou seja,
crescemos muito, mas à custa de um pesado endividamento. O parque industrial
cresceu de forma bastante significativa e a infraestrutura nos setores de
energia, transportes e telecomunicações se modernizou. No entanto, embora os
indicadores econômicos tenham evoluído positivamente, a desigualdade social
aprofundou-se muito nesse período, concentrando a renda nos estratos mais ricos
da sociedade. Segundo o IBGE e o Banco Mundial, em 1960, os 20% mais ricos da
sociedade brasileira dispunham de 54% da renda nacional, em 1970 passaram a
contar com 62%, e em 1989, com 67,5% . O trecho a seguir nos mostra uma
consequência imediata do modelo econômico adotado pelos governos militares, que
foi agravado pelo êxodo rural iniciado na década de 1950.
Entre 1968 e 1973, período
conhecido como “milagre econômico”, a economia brasileira desenvolveu-se em
ritmo acelerado. No gráfico ao lado é possível verificar o crescimento anual do
PIB brasileiro entre 1967 e 1975.
Esse ritmo de crescimento foi
sustentado por investimentos governamentais que promoveram grande expansão na
oferta de alguns serviços prestados por empresas estatais, como energia,
transporte e telecomunicações. No entanto, várias obras tinham necessidade,
rentabilidade ou eficiência questionáveis, como as rodovias Transamazônica e
Perimetral Norte e o acordo nuclear entre Brasil e Alemanha. O setor de
telecomunicações também foi beneficiado nesse período. Os investimentos nesse
setor foram feitos graças à grande captação de recursos no exterior, o que
elevou a dívida externa, pois boa parte desse capital foi investido em setores
pouco rentáveis da economia. Como pagar a parcela da dívida contraída com a
construção de rodovias na Amazônia?
Outro aspecto importante na
questão do crescimento econômico no período militar foi o dos investimentos
externos. O capital estrangeiro penetrou em vários setores da economia,
principalmente na extração de minerais metálicos (projetos Carajás, Trombetas e
Jari), na expansão das áreas agrícolas (monoculturas de exportação), nas indústrias
química e farmacêutica, e na fabricação de bens de capital (máquinas e
equipamentos) utilizados pelas indústrias de bens de consumo.
Como o aumento dos preços dos
produtos (inflação) não era integralmente repassado aos salários, a taxa de lucro
dos empresários foi ampliada com a diminuição do poder aquisitivo dos
trabalhadores. Aumentava-se, assim, a taxa de reinvestimento dos lucros em
setores que gerariam empregos principalmente para os trabalhadores qualificados
e exclui os pobres, o que deu continuidade ao processo histórico de
concentração da renda nacional. Ficou famosa a frase do então ministro da
Fazenda Delfim Netto, em resposta à inquietação dos trabalhadores ao ver seus
salários arrochados: “É necessário fazer o bolo crescer para depois
reparti-lo”. O bolo (a economia) cresceu – o Brasil chegou a ser a 9a maior
economia do mundo capitalista no início da década de 1980 (em 2012, segundo o
Fundo Monetário Internacional, o Brasil era a 6a economia do mundo) – e, até
hoje, a renda permanece concentrada (em 2009, segundo o Banco Mundial, os 10%
mais ricos se apropriavam de 42,9% da renda nacional).
Nesse contexto, as pessoas da
classe média que tinham qualificação profissional viram seu poder de compra
ampliado, quer pela elevação dos salários em cargos que exigiam formação
técnica e superior, quer pela ampliação do sistema de crédito bancário,
permitindo maior financiamento do consumo. Enquanto isso, os trabalhadores sem
qualificação tiveram seu poder de compra diminuído e ainda foram prejudicados
com a degradação dos serviços públicos, sobretudo os de educação e saúde.
No final da década de 1970, os
Estados Unidos promoveram a elevação das taxas de juros no mercado
internacional, reduzindo os investimentos destinados aos países em desenvolvimento.
Além de sentir essa redução, a economia brasileira teve de arcar com o
pagamento crescente dos juros da dívida externa, contraída com taxas
flutuantes. Diante dessa nova realidade, a saída imposta pelo governo para
obter recursos que permitissem honrar os compromissos da dívida pode ser
sintetizada na frase: “Exportar é o que importa”. Porém, como tornar os
produtos brasileiros internacionalmente competitivos? Tanto em qualidade como
em preço, as mercadorias produzidas na época em um país em desenvolvimento como
o Brasil, que quase não investia em tecnologia, enfrentavam grandes obstáculos.
As soluções encontradas foram
desastrosas para o mercado interno de consumo:
- ·
redução
do poder de compra dos assalariados, conhecido como arrocho salarial;
- · subsídios
fiscais para exportação (cobrava-se menos imposto por um produto exportado que
por um similar vendido no mercado interno);
- · negligência
com o meio ambiente, levando ao aumento de diversas formas de poluição, erosão
e de outras agressões ao meio natural;
- · desvalorização
cambial: a valorização do dólar em relação ao cruzeiro (moeda da época)
facilitava as exportações e dificultava as importações;
- ·
diminuição
do poder aquisitivo das famílias para combater o aumento dos preços.
Essas medidas, adotadas em
conjunto, favoreceram a venda de produtos no mercado externo, mas prejudicaram
o mercado interno, reduzindo o poder de compra do brasileiro. Assim se explica
o aparente paradoxo: a economia cresce, mas o povo empobrece.
Na busca de um maior superavit
na balança comercial, o governo aumentou os impostos de importação não apenas
para bens de consumo, como também para os bens de capital e bens
intermediários. A consequência dessa medida foi a redução da competitividade do
parque industrial brasileiro frente ao exterior ao longo dos anos 1980. Os
industriais não tinham capacidade financeira para importar novas máquinas e,
por causa da falta de competição com produtos importados, não havia incentivos
à busca de maior produtividade e qualidade dos produtos. Com isso, as
indústrias, com raras exceções, foram perdendo competitividade no mercado
internacional e as mercadorias comercializadas internamente tornaram-se caras e
tecnologicamente defasadas em relação às estrangeiras.
Os efeitos sociais dessa política
econômica se agravaram com a crise mundial, que se iniciou em 1979. As taxas de
juros da dívida externa atingiram, em 1982, o recorde histórico de 14% ao ano.
A partir de então, a economia brasileira passou por um período em que se
alternavam anos de recessão e outros de baixo crescimento. Isso se arrastou por
toda a década de 1980 e início da de 1990, período que se caracterizou pela
chamada ciranda financeira: o governo emitia títulos públicos para captar o
dinheiro depositado pela população nos bancos. Como as taxas de juros
oferecidas internamente eram muito altas, muitos empresários deixavam de
investir no setor produtivo – o que geraria empregos e estimularia a economia
aumentando o PIB – para investir no mercado financeiro. Na época, essa “ciranda”
criava a necessidade de emissão de moeda em excesso, o que elevou os índices de
inflação.
Outro aspecto negativo da
política econômica do período militar merece destaque: se as medidas adotadas
tinham como objetivo o crescimento do PIB a qualquer custo, o que fazer com as
empresas ineficientes, à beira da falência? A solução encontrada para esse
problema foi a estatização. O Estado brasileiro adquiriu empresas em quase
todos os setores da economia utilizando recursos públicos, em parte acumulados
com o pagamento de impostos por toda a população. O crescimento da participação
do Estado na economia, de 1964 a 1985, foi muito grande (veja o gráfico a baixo).
Em 1985, cerca de 20% do PIB era produzido em empresas estatais, enquanto os
serviços tradicionalmente públicos, como saúde e educação, estavam se
deteriorando por causa da falta de recursos, que eram redirecionados dos
setores sociais para os produtivos.
O período dos governos
militares no Brasil caracterizou-se pela apropriação do poder público por
agentes que desviaram os interesses do Estado para as necessidades
empresariais. As carências da população ficaram em segundo plano; as
prioridades foram o crescimento do PIB e o aumento do superavit na balança
comercial. O objetivo de qualquer governo é o de aumentar a produção econômica.
O problema é saber como atingi-lo sem comprometer os investimentos em serviços
públicos, que possibilitam a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Apesar
do exposto, durante o período do regime militar, o processo de industrialização
e de urbanização continuou avançando, resultando em significativa melhora nos índices
de natalidade e mortalidade, que registraram queda, além do aumento da
expectativa de vida. A interpretação desse fato deve levar em conta o intenso
êxodo rural, já que nas cidades aumentou o acesso a saneamento básico e
atendimento médico-hospitalar, bem como a remédios e programas de vacinação em
postos de saúde, e o fato de que muitos migrantes conseguiram melhorar a
qualidade de vida nos centros urbanos.
O fim do período militar
ocorreu em 1985, depois de várias manifestações populares a favor das eleições
diretas para presidente da República. Os problemas econômicos herdados do
regime militar foram agravados no governo que se seguiu, o de José Sarney, e só
foram enfrentados efetivamente nos anos 1990.
Como síntese do processo de
industrialização na época do regime militar, leia o texto a seguir, no qual a
autora caracteriza as diferentes fases desse processo.
Sene, Eustáquio de. Geografia
Geral e do Brasil: Espaço Geográfico e Globalização / Eustáquio de Sene,
João Carlos Moreira. – 2. ed. reform. – São Paulo: Scipione, 2013.