O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulga na
sexta-feira em Estocolmo, na Suécia, um novo relatório no qual pretende
estabelecer, com o maior grau de certeza já obtido, o papel das
atividades humanas nas mudanças climáticas.
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Efeito estufa é agravado pela emissão de gases poluentes na atmosfera. |
O que é mudança climática?
O clima do planeta está mudando
constantemente ao longo do tempo geológico. A temperatura média global
hoje é de cerca de 15ºC, mas as evidências geológicas sugerem que ela já
foi muito maior ou muito menor em outras épocas no passado.
Entretanto, o atual período de aquecimento está
ocorrendo de maneira mais rápida do que em muitas ocasiões no passado.
Os cientistas estão preocupados de que a flutuação natural, ou
variabilidade, está dando lugar a um aquecimento rápido induzido pela
ação humana, com sérias consequências para a estabilidade do clima no
planeta.
O que é 'efeito estufa'?

O efeito estufa se refere à maneira como a atmosfera da Terra
"prende" parte da energia do Sol. A energia solar irradiada de volta da
superfície da Terra para o espaço é absorvida por gases atmosféricos e
reemitida em todas as direções.
A energia que irradia de volta para o planeta
aquece tanto a baixa atmosfera quanto a superfície da Terra. Sem esse
efeito, a Terra seria 30ºC mais fria, deixando as condições no planeta
hostis para a vida.
Os cientistas acreditam que estamos contribuindo
para o efeito natural de estufa com gases emitidos pela indústria e
pela agricultura, absorvendo mais energia e aumentando a temperatura.
O mais importante desses gases no efeito estufa
natural é o vapor de água, mas suas concentrações mostram pouca mudança.
Outros gases do efeito estufa incluem dióxido de carbono, metano e
óxido nitroso, que são liberados pela queima de combustíveis fósseis. O
desmatamento contribui para seu aumento ao eliminar florestas que
absorvem carbono.
Desde o início da revolução industrial, em 1750,
os níveis de dióxido de carbono (CO2) aumentaram mais de 30%, e os
níveis de metano cresceram mais de 140%. A concentração de CO2 na
atmosfera é agora maior do que em qualquer momento nos últimos 800 mil
anos.
Qual é a evidência sobre o aquecimento?

Os registros de temperatura, a partir do fim do
século 19, mostram que a temperatura média da superfície da Terra
aumentou cerca de 0,8ºC nos últimos cem anos. Cerca de 0,6ºC desse
aquecimento ocorreu nas últimas três décadas.
Dados de satélites mostram um aumento médio nos
níveis do mar de cerca de 3 milímetros por ano nas últimas décadas. Uma
grande proporção da mudança nos níveis do mar se deve à expansão dos
oceanos pelo aquecimento. Mas o derretimento das geleiras de montanhas e
das camadas de gelo polar também contribuem para isso.
A maioria das geleiras nas regiões temperadas do
mundo e na Península Antártica estão encolhendo. Desde 1979, registros
de satélites mostram um declínio dramático na extensão do gelo no
Ártico, a uma taxa anual de 4% por década. Em 2012, a extensão de gelo
alcançou o menor nível já registrado, cerca de 50% menor do que a média
do período entre 1979 e 2000.
O manto de gelo da Groenlândia verificou um
derretimento recorde nos últimos anos. Se a camada inteira, de 2,8
milhões de quilômetros cúbicos, derretesse, haveria um aumento de 6
metros nos níveis dos mares.
Dados de satélites mostram que a capa de gelo do
oeste da Antártica também está perdendo massa, e um estudo recente
indicou que o leste da Antártica, que não havia mostrado tendências
claras de aquecimento ou resfriamento, também pode ter começado a perder
massa nos últimos anos. Mas os cientistas não esperam mudanças
dramáticas. Em alguns lugares, a massa de gelo pode aumentar, na
verdade, com as temperaturas em alta provocando mais tempestades de
neve.
Os efeitos de uma mudança climática também podem
ser vistos na vegetação e nos animais terrestres. Isso inclui também o
florescimento e frutificação precoces em plantas e mudanças nas áreas
ocupadas pelos animais terrestres.
Há uma pausa no aquecimento?

Alguns especialistas argumentam que desde 1998
não houve um aquecimento global significativo, apesar do aumento
contínuo nos níveis de emissão de CO2. Os cientistas tentam explicar
isso de várias formas.
Isso inclui: variações na emissão de energia
pelo Sol, um declínio no vapor de água atmosférico e uma maior absorção
de calor pelos oceanos. Mas até agora, não há um consenso geral sobre o
mecanismo preciso por trás dessa pausa.
Céticos destacam essa pausa como um exemplo da
falibilidade das previsões baseadas em modelos climáticos
computadorizados. Por outro lado, os cientistas do clima observam que o
hiato no aquecimento ocorre em apenas um dos componentes do sistema
climático - a média global da temperatura da superfície -, e que outros
indicadores, como o derretimento do gelo e as mudanças na fauna e na
flora demonstram que a Terra continua a se aquecer.
Quanto as temperaturas vão aumentar no futuro?
Em seu relatório de 2007, o IPCC previu um aumento da temperatura global entre 1,8ºC e 4ºC até 2100.
Mesmo que as emissões de gases do efeito estufa
caiam dramaticamente, os cientistas dizem que os efeitos continuarão,
porque partes do sistema climático, particularmente os grandes corpos de
água e gelo, podem levar centenas de anos para responder a mudanças na
temperatura. Também leva décadas para que os gases do efeito estufa
sejam removidos da atmosfera.
Quais serão os impactos disso?

A escala do impacto potencial é incerto. As
mudanças podem levar à escassez de água potável, trazer mudanças grandes
nas condições para a produção de alimentos e aumentar o número de
mortes por inundações, tempestades, ondas de calor e secas.
Os cientistas preveem mais chuvas em geral, mas
dizem que o risco de seca em áreas não costeiras deverá aumentar durante
os verões mais quentes. Mais inundações são esperadas por causa de
tempestades e do aumento do nível do mar. Deverá haver, porém, muitas
variações regionais nesse padrão.
Os países mais pobres, que estão menos capacitados para lidar com a mudança rápida, deverão sofrer mais.
A extinção de plantas e animais está prevista,
por conta de mudanças nos habitats mais rápidas do que a capacidade de
adaptação das espécies à estas. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
advertiu que a saúde de milhões de pessoas pode ser ameaçada por
aumentos nos casos de malária, doenças transmitidas pela água e
malnutrição.
O aumento na absorção de CO2 pelos oceanos pode
levá-los a se tornar mais ácidos. Esse processo de acidificação em
andamento poderia provocar grandes problemas para os recifes de corais,
já que as mudanças químicas impedem os corais de formar um esqueleto
calcificado, que é essencial para sua sobrevivência.
O que não sabemos?

Os modelos computadorizados são usados para
estudar a dinâmica do clima na Terra e fazer projeções sobre futuras
mudanças de temperatura. Mas esses modelos climáticos diferem sobre a
"sensibilidade climática" - a quantidade de aquecimento ou esfriamento
que ocorre por conta de um fator específico, como a elevação ou a queda
na concentração de CO2.
Os modelos também diferem na forma como expressam "feedback climático".
O aquecimento global deverá provocar algumas
mudanças com probabilidade de criar mais aquecimento, como a emissão de
grandes quantidades de gases do efeito estufa com o derretimento do
permafrost (gelo eterno da superfície da Terra). Isso é conhecido como
feedback climático positivo (no sentido de adicionar calor).
Mas também existem os feedbacks negativos, que
compensam o aquecimento. Por exemplo, os oceanos e a terra absorvem CO2
como parte do ciclo do carbono.
A questão é saber qual o resultado final da soma dessas variáveis.
As inundações vão me atingir?
Detalhes vazados do relatório a ser apresentado
nesta semana indicam que no pior cenário traçado pelo IPCC, com o maior
nível de emissões de dióxido de carbono, os níveis dos mares no ano 2100
poderiam subir até 97 centímetros.
Alguns cientistas criticam os modelos usados
pelo IPCC para calcular esse aumento. Usando o que é chamado de modelo
semiempírico, as projeções para o aumento do nível do mar podem chegar a
2 metros. Nessas condições, 187 milhões de pessoas a mais no mundo
sofreriam com inundações.
Mas o IPCC deve dizer que não há consenso sobre o enfoque semiempírico e manterá o dado pouco inferior a 1 metro.
O que vai acontecer com os ursos polares?

O estado dos polos Norte e Sul tem sido uma
preocupação crescente para a ciência, conforme os efeitos do aquecimento
global se tornam mais intensos nessas regiões.
Em 2007, o IPCC disse que as temperaturas no
Ártico aumentaram quase duas vezes mais que a média global nos últimos
cem anos. O relatório destacou que a região pode ter uma grande
variação, com um período quente observado entre 1925 e 1945.
Nos rascunhos do relatório desta semana, os
cientistas dizem que há uma evidência maior de que as camadas de gelo e
as geleiras estão perdendo massa e que a camada de gelo está diminuindo
no Ártico.
Em relação à Groenlândia, que por si só tem a
capacidade de aumentar os níveis globais dos mares em 6 metros, o painel
diz estar 90% certo de que a velocidade da perda de gelo entre 1992 e
2001 aumentou seis vezes no período entre 2002 e 2011.
Enquanto a extensão média do gelo no Ártico caiu
cerca de 4% por década desde 1979, o gelo na Antártica aumentou até
1,8% por década no mesmo período.
Para o futuro, as previsões são bastante
dramáticas. No pior cenário traçado pelo IPCC, um Ártico sem gelo no
verão é provável até o meio deste século.
E a perspectiva para os ursos polares e para
outras espécies que vivem nesse ambiente não é bom, segundo disse à BBC o
professor Shang-Ping Xie, do Instituto de Oceanografia da Universidade
da Califórnia em San Diego.
"Haverá bolsões de gelo marítimo em alguns mares
marginais. Esperamos que os ursos polares sejam capazes de sobreviver
no verão nesses bolsões de gelo remanescentes", disse.
Qual a credibilidade do IPCC?
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IPCC reconheceu erro em inclusão de previsão sobre fim das geleiras do Himalaia até 2035 |
A escala global do envolvimento científico com o IPCC dá uma ideia do peso dado ao painel.
Dividido em três grupos de trabalho que analisam
a ciência física, os impactos e as opções para limitar as mudanças
climáticas, o painel envolve milhares de cientistas de todo o mundo.
O relatório a ser apresentado em Estocolmo tem 209 autores coordenadores e 50 revisões de editores de 39 países diferentes.
O documento é baseado em cerca de 9.000 estudos científicos e 50 mil comentários de especialistas.
Mas em meio a esse conjunto enorme de dados, as coisas podem não sair como o esperado.
No último relatório, publicado em 2007, houve um
punhado de erros que ganharam grande projeção, entre eles a afirmação
de que as geleiras do Himalaia desapareceriam até 2035. Também houve
erro na projeção da porcentagem do território da Holanda que ficaria sob
o nível do mar.
O IPCC admitiu os erros e explicou que em um
relatório de 3 mil páginas é sempre possível que haja alguns pequenos
erros. A afirmação sobre o Himalaia veio da inclusão de uma entrevista
que havia sido publicada pela revista New Scientist.
Em 2009, uma revisão da forma como o IPCC
analisa as informações sugeriu que o painel seja mais claro no futuro
sobre as fontes de informação usadas.
O painel também teve a reputação manchada pela
associação com o escândalo provocado pelo vazamento de e-mails trocados
entre cientistas que trabalhavam para o IPCC, em 2009.
As mensagens pareciam mostrar algum grau de
conluio entre os pesquisadores para fazer com que os dados climáticos se
encaixassem mais claramente na teoria das mudanças climáticas induzidas
pelo homem.
Porém ao menos três pesquisas não encontraram evidências para apoiar essa conclusão.
Mas o efeito final desses eventos sobre o painel foi o de torná-lo mais cauteloso.
Apesar de o novo relatório possivelmente
enfatizar uma certeza maior entre os cientistas de que as atividades
humanas estão provocando o aquecimento climático, em termos de escala,
níveis e impactos a palavra "incerteza" deverá aparecer com bastante
frequência.
Fonte: BBC Brasil. 06.nov.2013
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