As manifestações dos proprietários rurais têm o objetivo de deter o
processo de demarcação de 81 áreas no país (30 terras delimitadas e 51
declaradas), que somam cerca de 4,7 milhões de hectares.
O Brasil possui hoje 476 terras indígenas --incluindo aí as terras
regularizadas, as homologadas e as reservas-- num total de 105,1 milhões
de hectares (quase um oitavo do território brasileiro). Essas terras
correspondem a 42% das áreas usadas pela agropecuária (251 milhões de
hectares, dos quais 172 milhões ocupados pela pecuária e 79 milhões pela
agricultura).
A crescente resistência dos proprietários rurais à demarcação das áreas
indígenas é uma das razões da diminuição do ritmo de regularização
dessas terras --determinada pela Constituição de 1988.
No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram homologadas 145
áreas (41 milhões de hectares); no governo Lula (2003-2010), o total de
áreas cai para 84 (18 milhões de hectares); por fim, na gestão Dilma
Rousseff, foram homologadas apenas dez áreas (966 mil hectares).
O Brasil tem, segundo o IBGE, 817,9 mil pessoas que se declaram índios
por sua cor ou raça. A distribuição das terras é muito desigual.
Análise: Atraso no processo de demarcação contribui para ocupação indevida
Há grande concentração fundiária em Mato Grosso do Sul: as 74 maiores
fazendas têm uma extensão de 2,4 milhões de hectares. Essa área é três
vezes maior do que a soma das terras indígenas no Estado (800 mil
hectares), incluindo as recentemente identificadas pela Funai, gerando
reações ruralistas.
Ações judiciais impedem a posse efetiva dos índios em vários locais. O
IBGE conta 77 mil índios no Estado -só o Amazonas tem população indígena
maior. Há situações muito graves: a terra de Dourados, com 3,4 mil
hectares e mais de 12 mil ocupantes, tem uma concentração demográfica 50
vezes maior do que a média estadual. É onde ocorrem mais suicídios de
crianças indígenas e homicídios.
As formas tradicionais de ocupação
indígena implicam áreas de maior extensão, mas os índios dispõem de
menos que o módulo rural mínimo necessário para a sobrevivência de
agricultores familiares. Não há dúvida de quem mais precisa de terra são
os índios e que a solução dos conflitos em MS passa por demarcar áreas
bem maiores para eles.
Mas o MS tem uma densa malha fundiária privada consolidada, com mais de
84 mil propriedades, com cadeias dominiais que por vezes remontam ao
século 19.
A Constituição diz que são nulos títulos em terras indígenas, mas não há
dúvida quanto à responsabilidade da União no atraso nas demarcações.
Governos federal e estadual contribuíram para titulações indevidas.
Ambos têm responsabilidade no conflito. É inevitável que a ampliação da
disponibilidade de terra para os índios atinja propriedades privadas,
prejudicando portadores de títulos legítimos, obtidos de boa fé. A forma
de reduzir injustiças é indenizá-los pelas benfeitorias e também pela
terra.
MÁRCIO SANTILLI, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), foi presidente da Funai entre 1995 e 1996
Fonte: Folha de S. Paulo. Caderno Poder. 16.06.2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário