Mahmoud Ahmadinejad chegou à Presidência do Irã projetando a imagem de
um homem simples alinhado aos ideais da revolução islâmica.
Após oito anos no cargo, ele sai de cena sob o estigma de ter causado a
maior crise interna na história do regime, em meio a acusações de
rebeldia ideológica e corrupção.
Traumatizado, o Estado teocrático sinaliza com clareza que o principal
objetivo do pleito presidencial na próxima sexta-feira é pavimentar o
caminho para a eleição de um candidato que seja o oposto de Ahmadinejad.
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Ahmadinejad, na posse de Nicolás Maduro, em Caracas; se despede da Presidência do Irã após causar crise histórica. Foto: Fernando Llano - 19.abr.2013/Associated Press |
Os favoritos na disputa são conservadores com perfil discreto que
gravitam na órbita do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, detentor da
palavra final no regime.
Khamenei aposta que seus homens de confiança, ao contrário do atual
presidente, respeitarão a sua autoridade e a doutrina fundada pelo
aiatolá Ruhollah Khomeini, em 1979.
A mesma expectativa havia norteado a decisão de Khamenei apoiar
Ahmadinejad na eleição de 2005. À época, o preferido do líder comandava a
Prefeitura de Teerã após ocupar cargos de médio escalão no interior.
Com sua devoção religiosa e roupas de feira, Ahmadinejad era visto como o
homem certo para romper com a liberalização moral promovida pelo
reformista Mohamad Khatami, um presidente intelectual e cosmopolita.
O prefeito de Teerã fez campanha prometendo levar a então bonança
petroleira "até a mesa do povo". Chegou de surpresa no segundo turno, no
qual venceu um poderoso ex-presidente.
Graças a fartos subsídios e a uma economia em alta, Ahmadinejad navegou
com tranquilidade nos primeiros anos de governo. No plano externo,
entretanto, chocou o mundo ao questionar o Holocausto e pregar o fim de
Israel.
Cordial sob Khatami, a relação com o Ocidente deteriorou-se
abruptamente, minando as negociações sobre o programa nuclear iraniano.
Ahmadinejad priorizou contatos com governos na África e na América
Latina, inclusive com o Brasil na era Lula.
A primeira rusga com o líder supremo surgiu em 2008, por intermédio do principal assessor presidencial, Esfandiar Rahim Mashaee.
Num evento público, Mashaee disse que israelenses e americanos eram "amigos" do Irã e os EUA, um dos "melhores países do mundo".
Veterano da inteligência, Mashaee casou sua filha com o primogênito de Ahmadinejad naquele mesmo ano.
Apesar do incômodo, Khamenei chancelou a reeleição de Ahmadinejad em
2009 e declarou ilegais manifestações contra supostas fraudes.
Mas Khamenei se opôs à decisão de Ahmadinejad escolher Mashaee como seu primeiro vice-presidente.
GREVE PRESIDENCIAL
Foi o primeiro de uma série de embates acerca de nomeações para altos
cargos no regime. Quando o líder supremo forçou o presidente a
reintegrar um ministro da Inteligência demitido, Ahmadinejad ficou dez
dias sem trabalhar.
Destoando do primeiro mandato, o clã presidencial adotou uma agenda mais
liberal, pregando afrouxamento das restrições morais e exaltando a
cultura persa pré-islâmica.
Às divergências ideológicas somaram-se acusações de desvios de bilhões
de dólares por banqueiros ligados ao presidente e o efeito devastador do
acirramento das sanções.
Em 2012, Ahmadinejad foi o primeiro presidente iraniano a ser sabatinado por deputados que o acusaram de incompetência.
O líder interveio para cortar planos de impeachment ao presidente, que teriam agravado a crise.
Mas, para enterrar os inimigos, o regime vetou nesta eleição a
candidatura de Mashaee, que teria conseguido votos das classes mais
pobres beneficiadas com programas sociais da Presidência.
"Ahmadinejad se preocupou com os mais humildes", diz o taxista Farhad Kharaji, fã declarado.
Já Mohamed Massih Yarahmadi, que é editor de uma revista de arquitetura,
se arrepende de ter votado nele em 2009. "Ele descumpriu suas
promessas".
SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ
Fonte: Folha de S. Paulo, Mundo. 09.06.2013.
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